17 de out. de 2011

Um passeio na Cachoeira

Quando eu malhava, todas as tardes eu praticamente tinha que atravessar a cidade de Cachoeira toda, e era um percurso engraçado. Na verdade, engraçado não é a palavra apropriada. Era um percurso um tanto reflexivo, interessante. Que seja.

Logo ao sair de casa, o vizinho maluco dá as boas tardes a sua querida comadre. Por entre o bigode enorme pergunta: "E o coroa tá ai?"(meu pai). Da escola primária que fica logo na esquina, saem crianças que brincam, correm, esperam pelos pais, mães, avós, irmãos mais velhos. Que coisa mais bonitinha é criança fardada, não? Ficam tão diferentes daqueles anjinhos penteados quando chega o final do dia...

Jardim Grande é o nome do que eu chamo de Praça dos Vadios. Um grupo pequeno de senhores joga dominó, algumas outras crianças com uma ou duas mulheres adultas brincam no parquinho, um homem dorme no banco, um grupo que aqui chamam de "sacizeiros" (não me cabe julgá-los, jamais) conversa e ri, estudantes de um colégio estadual esperam pelo transporte para as suas casas, futuros motoristas praticam na rua ao lado.

Mais alguns passos e me deparo com uma "egreja evangélica", no lugar que muitos julgam ser a "terra da macumba". Passo também por uma casa onde uma senhora encolhidinha, por volta dos 96, sempre fica na janela. Me pergunto se há 80 anos atrás ela também ficava assim, aguardando o cortejo dos rapazes.
Bem ao lado,(mais) um casarão, grande, poderoso e abatido pelo tempo, assim como a senhora que acabo de mencionar. E do mesmo jeito mantém sua beleza em essência(nesse momento, me vêm a cabeça romances clássicos como "Senhora" ou "A moreninha" sendo vividos dentro dessas paredes. Sem esquecer, claro, das "Vítimas algozes").

Um pequeno gato sai de uma "casa de ervas", lugar onde são vendidas velas, imagens, banhos de descarrego e afins, e ervas propriamente ditas para o preparo desses banhos, colares de contas, enfim - tudo que um bom "trabalho" precisa para ser feito(a excessão da fé,que não se vende, claro).
Em frente ao fórum da cidade, uma outra pracinha, um boteco e pequenas lojinhas. É lindo como o comércio e os órgãos públicos se adequam a toda história que transpira esse lugar - placas e letreiros talhados na madeira, luminárias antigas e a pintura meiguinha.

Adiante, passo pela Irmandade da Boa Morte e imagino como tudo deve ter começado de fato. E como era antes dos turistas aparecerem. E o que as primeiras participantes diriam se vissem o formato em que a festa centenária é feita atualmente.

Na outra esquina, outra igreja - católica essa é. Sua altura deve ser equivalente a um prédio de sete andares, seu significado é incomparável. Para os nativos pode ser só "mais uma igreja em restauração", para mim aquilo é história viva, gritando, pedindo "virem seus pescoços e olhem para mim com mais respeito!". Quantos escravos devem ter ficado naquela escadaria porque não podiam entrar na casa do Deus branco o qual eram obrigados a adorar? Quantos casamentos vestidos de rendas e tecidos nobres devem ter acontecido nesse lugar?

Ao lado desta igreja senhora, uma delegacia que tem tido algumas dores de cabeça por conta do PCI(Primeiro Comando do Interior)(até isso,meu Deus).

A uns vinte metros dali, fica a Praça da Aclamação - a Câmara municipal funciona num prédio magnífico, que tem um "micro-museu" em que o caboclo e a cabocla nos recebem e nos dão as boas vindas.

Ando um pouco mais( já to quase chegando) e me deparo com a Pousada do Convento. Imagino D. Pedro II entrando por aquela porta para a inauguração da nossa digníssima ponte. Que pousada linda,meu rei...

Prédios, casarões, casinhas antigas tão desgastadas.. E eu me pergunto quando que passaram a deixar isso acontecer? A quem culpar por isso,meu Deus? Ao tempo? Aos proprietários? Porque deixaram a histórica e heróica Cachoeira ficar tão... acabada, cansada?

Ah, se eu mandasse no Iphan... As coisas seriam muito diferentes.